Li um artigo interessante essa semana e gostaria de trazê-lo para a discussão. O texto, de autoria da antropóloga holandesa Barbara Noske, chama-se: Two Movements and Human-Animal Continuity: Positions, Assumptions, Contradictions. (2004)
Neste texto Barbara Noske esboça tipos ideais tanto para o “movimento animal” (bem-estar animal, direito animal, etc.), quanto para o “movimento de ecologia profunda” (deep green/deep ecology), afim de comparar suas posições em relação a continuidade humano-animal.
De forma simplificada, o que a autora destaca é que há uma contradição nos dois movimentos quando se trata de uma percepção mais coerente da natureza. No caso dos defensores dos animais, por exemplo, os mesmos percebem a continuidade humano-animal (ou animal-humana) e a destacam principalmente na percepção da senciência. Neste sentido, a senciência permite aos defensores dos animais considerarem os animais enquanto indivíduos, com interesses que tem valor em si. Por outro lado, Noske percebe que a maioria desses mesmos defensores não consegue ampliar a esfera de consideração moral para além da senciência. Noske quer destacar na verdade que é fácil constatar no movimento animal uma certa indiferença para o “não-senciente”, para o “resto da natureza”, por assim dizer. Desta forma, outros entes naturais como plantas e árvores, ou ainda inorgânicos, como rios, montanhas, etc. não são levados em consideração com o mesmo afinco ou são considerados apenas de forma indireta, ou seja, importam na medida que importam para os sencientes.
No outro extremo da comparação está o movimento de ecologia profunda que por sua vez também enxerga a continuidade humano-animal, se percebendo então dentro da própria idéia de natureza, mas não trabalha com a idéia de valor individual (senciente). A defesa dos animais feita pelo movimento de ecologia profunda se dá na medida em que estes (animais) fazem parte de um ecossistema maior e que este ecossistema deve manter-se equilibrado. Assim, podemos entender como adeptos deste movimento as vezes se colocam a favor de atitudes como caça recreativa (algo que conectaria o homem ao seu “eu” mais natural), controle populacional por envenenamento, etc. Uma vez que o equilíbrio ecossistêmico esteja conservado, a senciência não deve configurar uma questão relevante. É apenas um subproduto da vida animal.
Dessa forma, embora ambos os movimentos tenham uma intenção em comum, que é a superação do antropocentrismo enquanto paradigma para entender nossa relação com a natureza, a autora classifica o primeiro grupo (movimento animal) como praticante de um reducionismo individualístico (Individualistic reductionism) e o segundo (movimento de ecologia profunda) como praticante de um reducionismo ecossistêmico (Ecosystemic reductionism).
Na mesma linha de raciocínio, Noske ainda nos apresenta a questão da Empatia desincorporada X Antipatia incorporada (Disembodied empathy versus embodied antipathy). A autora explica que a continuidade humano-animal também deve ser vista da forma oposta (animal-humana) para que também possamos perceber nossa “animalidade”. Como tal movimento custa a perceber isto, não consegue de fato viver esta interação com a natureza, está sempre desconectado. Assim, tal movimento sofre de uma Empatia desincorporada, nas palavras da própria autora: A empatia é real mas sua base material é esquecida.
Por contraste, o movimento de ecologia profunda ainda que incentive o homem a ter uma interação mais real com o que entende por natureza (selvagem, ecossistêmica), comumente é indiferente ao sofrimento causado a diversos outros animais domesticados por exemplo. Isso poderia ser caracterizado como uma Antipatia incorporada: A continuidade humano-animal é percebida, mas ao invés de empatia é freqüentemente acompanhada por um desdenho pelos seres que não mais vivem naturalmente nos ecossistemas apropriados.
Sempre que possível tento descobrir autores das ciências sociais ligados a este tipo de discussão. Barbara Noske, antropóloga, foi uma dessas descobertas e até então me trouxe contribuições interessantes. Recomendo o texto.
Até a próxima.